Na América do Sul, a rápida expansão da produção de soja está causando e resultando em profundas mudanças na economia, na sociedade, nos sistemas de produção e nos ecossistemas. O objetivo deste capítulo é propor uma metodologia para analisar a dinâmica da expansão da soja a partir de uma abordagem territorial. Propõe, portanto, uma contribuição para a análise dos sistemas alimentares ligados à estruturação de cadeias de valor globalizadas, favorecendo uma abordagem baseada na diversidade das recomposições agrícolas e espaciais locais. Embora o objetivo seja caracterizar os produtores de soja e a diversidade dos atores envolvidos na territorialização da cadeia, no que diz respeito às recomposições setoriais e políticas públicas, também é importante examinar o futuro dos outros sistemas agrícolas e conhecimentos associados, nos territórios dominados pela soja.
A aceleração da expansão agroindustrial na região desperta um certo interesse nas Ciências Humanas e Sociais. Inspiradas na geografia, sociologia e economia política, as ciências agrárias destacam as diferentes formas de dominação associadas a esta expansão (Wolford, 2005; Svampa, 2015; Oliveira; Hecht, 2018; McKay et al., 2021). Desde a crise de 2008, uma atenção especial tem sido dada à apropriação de terras (Borras et al., 2012; Sauer; Leite, 2012). Estes diferentes estudos enfatizam o papel histórico do Estado na estruturação de setores produtivos e espaços (Heredia et al., 2010; Pompeia, 2020), enquanto denunciam a amplificação das desigualdades socioeconômicas, a superexploração dos recursos e suas consequências em termos de conflitos sociais (Favareto, 2019).
Em termos de dinâmica territorial, porém, este processo é muitas vezes descrito como uma onda neoliberal que englobaria o mundo social. De fato, de acordo com Izá Pereira (2019), a maior parte das pesquisas que abordam o processo de expansão do agronegócio mobiliza apenas grandes escalas, produzindo representações homogêneas. Além disso, ao levar em conta apenas a localização das empresas e o mercado das terras, muitas vezes o espaço não é considerado como um território que contém uma história, uma diversidade de recursos e de relações de poder (Izá Pereira, 2019).
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Alinhado com as pesquisas sobre a “territorialização da apropriação de terras” (Izá Pereira, 2019), consideramos o território como um espaço multidimensional e multiescalar, constituído por relações de poder (Raffestin, 1986). Iremos nos concentrar em três subtemas, baseados em experiências obtidas em pesquisas anteriores em diferentes regiões (Paraguai, Mato Grosso, Pará, Roraima, Matopiba).
1) Primeiramente, a abordagem territorial nos permite explorar empiricamente a questão-chave do acesso e apropriação dos recursos naturais. É necessário estudar como as empresas atuam concretamente nos territórios, legal ou ilegalmente, os atores envolvidos nestas transformações e até que ponto elas estão enraizadas nos processos históricos locais. A abordagem territorial também torna possível abordar os efeitos sociais e possivelmente conflitantes das mudanças na distribuição de terras.
2) Em segundo lugar, revela a diversidade dos atores em ação na estruturação das cadeias e, em particular, em sua ancoragem no território. Estes são atores diversos, alguns dos quais muito diferentes dos estereótipos comuns do agronegócio: como esta diversidade funciona, a serviço de quais interesses e com que tipo de estratégias locais de enraizamento?
3) Em terceiro lugar, é nos territórios que podemos observar as interfaces entre os espaços cultivados com soja e suas margens. Os arranjos produzidos pela articulação da dinâmica global com configurações locais preexistentes produzem espaços diferenciados que produzem uma fronteira heterogênea. A abordagem territorial nos permite explorar a relação entre o agronegócio e outras modalidades de uso e ocupação de espaço.
Para analisar essas três dimensões e suas articulações, defendemos uma abordagem multiescalar, multissituada e interdisciplinar que se concentre na diversidade das lógicas de atores que operam em um território definido.
Para cada dimensão, vamos dar exemplos, com métodos e resultados de diferentes trabalhos de campo recentes. Reunimos propostas metodológicas concretas em três quadros (“pontos metodológicos”): eles visam orientar e facilitar a coleta e o processamento de dados para trabalhos futuros. Assim, mostraremos que, apesar das semelhanças gerais nas formas recentes de expansão da soja, surgem diferenças importantes entre territórios e entre produtores, por isso a importância de analisar a história agrária e espacializar os fenômenos nos territórios estudados
Autores:
Ludivine Eloy
Valdemar João Wesz Junior
Eve Anne Bühler